quinta-feira, 19 de março de 2015

Os brasileiros no mercado dos games indie

Sem orçamentos milionários ou batalhões de artistas e programadores, produtoras independentes brasileiras se lançam no mercado de games — e mandam muito bem

 Destiny, jogo de tiro em primeira pessoa publicado pela desenvolvedora americana Activision, chegou às lojas em setembro de 2014 com um orçamento de produção estimado em US$ 500 milhões. Recuperado logo no primeiro dia de vendas, o investimento que supera o de produções hollywoodianas incluiu a participação do ator Peter Dinklage, que interpreta Tyrion Lannister na série Game of Thrones, além da trilha sonora produzida por Paul McCartney — com direito a clipe oficial.

No mesmo ano, os irmãos Pérsis e Ricardo Duaik lançavam na plataforma Steam o game de aventura Aritana e a pena da harpia, produzido no quarto dos fundos da casa da avó da dupla e que contou com uma equipe de quatro pessoas para seu desenvolvimento, a um custo de cerca de R$ 100 mil. Concorrência desleal? Não para a indústria de jogos independentes, responsável por atrair um público interessado em conhecer produções de diferentes partes do mundo que não contam com o aporte milionário de grandes produtoras. “Esse tipo de jogo é mais livre por ter estruturas menores que permitem arriscar em novidades. Quando se tem um orçamento reduzido, há um espaço maior para a criatividade”, afirma Alexandre da Silva, professor do curso de games do Senac.

Os jogos indies, como são apelidados os títulos que não recebem o apoio de gran­des distribuidoras, ganharam relevância no Brasil nos últimos anos devido ao barateamento de softwares para a produção de games e a popularidade de plataformas on-line como o Steam ou o Xbox Live, que oferecem um catálogo de jogos para download e permitem um acesso rápido e fácil aos usuários. “O potencial do desenvolvedor independente no Brasil é excelente, com muita gente boa trazendo novas ideias”, diz André Faure, fundador da consultoria Game Plan. “Com plataformas digitais de distribuição, é possível colocar o jogo sob os holofotes sem a necessidade de uma empresa para fazer sua publicação.”

A comunidade nacional de desenvolvedores ganhou no ano passado o reforço da Split Play, plataforma semelhante ao Steam que tem jogos brasileiros independentes disponíveis para compra on-line. O carioca Rodrigo Costa, um dos fundadores da empresa, participou do desenvolvimento de um dos primeiros games que se destacaram no Brasil, o jogo de estratégia Favela Wars. “Tivemos problemas para atingir o público brasileiro e desenvolvemos essa plataforma para que os jogadores conheçam as produções do nosso ­país”, afirma Costa.

Mais de 42 mil usuários já acessaram a Split Play desde a sua criação. Com um público de jogadores estimado em 54 milhões de pessoas, o Brasil aposta nos desenvolvedores independentes para passar da condição de consumidor para a de produtor de games. “O importante agora é aprender a desenvolver técnicas mais criativas, alinhando o design do jogo com a visão de gestão administrativa”, diz Marcus Imaizumi, fundador da Escola Brasileira de Games. Conheça algumas das empresas brasileiras que estão fazendo bonito com seus jogos.

DUAIK, Pérsis e Ricardo Duaik 
 Os irmãos Pérsis e Ricardo Duaik sempre gostaram de desenhar e escrever histórias, mas nunca tinham pensado em abrir o próprio negócio até receberem uma notícia que mudaria suas vidas. “Descobrimos que nosso pai tinha câncer e, quando ele morreu, resolvemos ter coragem para seguir com nossos objetivos”, afirma Pérsis, 32 anos, formado em economia pela USP.

Com a experiência de Ricardo, graduado em design digital, a dupla entrou no mercado de games em 2011, quando começou o desenvolvimento da aventura Aritana e a pena da harpia. Com o auxílio de uma artista 3D e um músico responsável pela sonorização, o game foi lançado no ano passado no Steam e premiado pelo voto popular como o melhor jogo no BIG Festival, principal evento de games independentes no Brasil. “Publicamos uma primeira versão em 2012, e a recepção foi muito dura, porque era preciso fazer melhorias. Isso foi importante para alcançarmos esse resultado”, diz Ricardo, 28 anos. Instalada em um cômodo cedido pela avó dos rapazes, num bairro da zona sul de São Paulo, a Duaik agora concentra seus esforços para dar mais visibilidade ao game, buscando inclusive sua publicação em consoles da nova geração. “É importante que nos preocupemos com o desenvolvimento da empresa como um todo, de modo que seja possível ganhar a vida fazendo games”, afirma Pérsis.


DIGI TEN, Daniel Bittencourt
 
 
Ao concluir a graduação em artes no Instituto Pratt, nos Estados Unidos, Daniel Bittencourt resolveu aprofundar sua experiência em games ingressando na Vancouver Film School, escola canadense especializada no assunto. Depois de um ano de curso, foi convidado para trabalhar em uma empresa do Canadá absorvida pela divisão do Kinect, da Microsoft. “Mas nossos projetos ficaram parados, e, para não cair na mesmice, aproveitei o momento para retornar ao Brasil”, afirma o rapaz, hoje com 30 anos.

Após 11 anos morando no exterior, Bittencourt voltou para casa em 2013 e iniciou a criação de sua própria produtora de games, ao lado do mineiro David Costa, colega dos tempos de Vancouver. O primeiro jogo da dupla chegará este mês para a plataforma iOS, após um período de testes no mercado australiano, e se chamará Dig a Way, uma aventura com elementos de estratégia. “Os desenvolvedores brasileiros estão conseguindo alcançar uma qualidade competitiva, o que não era possível poucos anos atrás”, diz Bittencourt. “Hoje conseguimos não só produzir games, mas também competir nesse mercado global.”


GARAGE 227 STUDIOS, Daniel Monastero e Rafael Lima
 https://www.youtube.com/watch?v=H5cc51BPulU  
Bacharel em direito, Daniel Monastero transformou a paixão por videogames em profissão ao ingressar, em 2012, na Gnomon School of Visual Effects, instituição norte-americana considerada uma das principais escolas de efeitos visuais no mundo. Com essa experiência, retornou a São Paulo para dar aulas na Axis, parceira brasileira da Gnomon, e realizou trabalhos de maneira autônoma até se juntar no ano passado com outros dois sócios e montar uma produtora para desenvolver o game Shiny.

Desenhada em 3D, a aventura é ambientada no futuro e protagonizada pelo robô Kramer 227, que explora diferentes ambientes enquanto luta para não ficar sem energia. “Como pensamos no mercado mundial, nosso personagem não tem fala, ele usa recursos visuais para se comunicar”, diz Monastero, 34 anos. Trabalhando de casa, a equipe de produção do game também conta com o auxílio de dois alunos da Axis, além do norte-americano Ryan Ike, especializado em trilhas sonoras. Com a expectativa de lançar o jogo no Steam neste semestre, a produtora fechou um acordo com a Microsoft para lançar Shiny para o Xbox One. “Após o lançamento, devemos trabalhar no marketing e engatilhar outro jogo na sequência, porque nesse mercado não dá para ficar parado”, afirma Rafael Lima, 26 anos, sócio de Monastero.


RELOAD GAME STUDIO, André Gerard e Leandro Carlos
 https://www.youtube.com/watch?v=Kx1_xbLhPmk  
Colegas no curso de game design da Universidade Anhembi Morumbi, André Gerard e Leandro Carlos fundaram sua produtora de jogos na mesa de um McDonald’s, em 2010. “Era lá que nos encontrávamos para assinar os papéis e resolver as questões burocráticas”, afirma Gerard, 26 anos, que logo depois da criação da empresa viajou ao Canadá para estudar na Vancouver Film School. Quando ele voltou ao Brasil, em 2011, a dupla enfrentou seu primeiro desafio: foi finalista do Square Enix Latin America Game Contest, concurso promovido pela produtora japonesa de games e que teve mais de 1100 projetos inscritos.

Com o RPG Run for Rum, os amigos conquistaram o terceiro lugar na competição e receberam um prêmio que possibilitou o desenvolvimento de novos projetos, como a aventura Cheesecake Cool Conrad, disponível para PC e para o console de código aberto Ouya. “A internet ajudou os desenvolvedores independentes com a divulgação, além do preço dos jogos, que ficou mais acessível”, diz Leandro Carlos, 26 anos. Com uma equipe de seis pessoas instalada em um escritório no bairro paulistano da Lapa, a produtora lançará este semestre o multiplayer Get Over Here. “Era comum o público ter preconceito em relação aos jogos brasileiros, mas não vemos mais isso por aqui”, afirma Gerard.


BEHOLD STUDIOS, Saulo Camarotti
 
 
Com mais de 1 milhão de ­downloads e público formado por jogado­res de países como Estados Uni­dos, Canadá e Alemanha, o RPG ­Knights of Pen & Paper transformou-se em uma das prin­cipais vitrines de jogos independentes no Brasil. Lançado em 2013 pela produtora brasiliense Behold Studios, o game foi desenvolvido após um momento de crise existencial da empresa. “Trabalhávamos com jogos sob en­comenda, mas tínhamos pouco retorno financeiro, e a equipe não estava motivada”, afirma Saulo Camarotti, 28 anos, um dos fundadores do estúdio. “Queríamos fazer jogos autorais de que realmente gostássemos, e então começou a nossa fase boa.”

Instalada em um escritório com 12 funcionários, a Behold já tem 15 jogos no currículo e prepara o lançamento do RPG Chroma Squad, que segue o visual pixelizado de Knights of Pen & Paper. “Mantemos um clima leve no estúdio, mas temos a responsabilidade de sempre lançar bons jogos para o público”, diz Camarotti.
 
Fonte: Revistagalileu/Globo  

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